quarta-feira, 12 de setembro de 2012

“Vivemos uma mudança civilizacional e precisamos de adequação”

Entrevista do consultor e professor Nepomuceno.
Foco em Gerações
“Vivemos uma mudança civilizacional e precisamos de adequação”

Por Manuela Mesquita

Precisamos ser a mudança que queremos ver no mundo. A frase foi dita no século passado, por Gandhi, mas partindo de Carlos Nepomuceno, professor, pesquisador e diretor da empresa Pontonet, ganha um sentido novo, atual e que se adequa perfeitamente ao que vivemos hoje.

Autor do blog Nepôsts http://cnepomuceno.wordpress.com/, Nepomuceno desenvolve de maneira inteligente idéias sobre o mundo 2.0 e tudo o que ele tem trazido para a sociedade.

Responsável por críticas sobre o modelo educacional e corporativo, Nepomuceno acredita na modificação de aspectos cognitivos, mais do que tecnológicos ou de gestão, gerados pela internet.

Acompanhe a entrevista exclusiva concedida por ele ao Foco em Gerações:

Você fala muito sobre a educação no mundo atual. O que acredita ter mudado tanto nos últimos anos que chega a impactar na educação exigindo mudanças?

Somos contemporâneos de uma mudança civilizacional, mas é muito difícil percebermos isso, pois estamos dentro do olho do furacão e não conseguimos um distanciamento para observar o que de fato acontece. Há uma mudança no modelo de produção de conhecimento em função da internet. Se olharmos para trás, só podemos comparar este momento à chegada do livro impresso, que assim como acontece agora, gerou um descontrole informacional.

Eu chamo esses dois meios de mídias de oxigenação social que vêm para ajudar a sociedade a resolver algumas demandas de produção, em que você cria novos problemas e precisa fazer uma grande mudança. Nós somos a primeira geração dessa mudança. Sendo assim, não é a escola que está mudando, é a civilização que está entrando numa nova etapa. E a escola cumpre o papel de preparar os jovens cidadãos para ingressar no mundo em que estamos vivendo. Ela possui um conjunto de códigos de conduta, de métodos, que resolviam o problema de formação do cidadão para um determinado planeta, dentro de uma determinada estrutura e conceito de valores. No momento em que você cria uma nova civilização, a escola, que segue uma linha de raciocínio antiquada começa a não ser mais adequada.

Pensando em aspectos práticos, de que forma poderia se dar essa adequação?

Estamos saindo de um mundo em que o ambiente de produção em termos de estrutura de poder precisava formar habitantes fortemente consolidados com o senso comum, você formava uma escola em que o aluno entrava e praticamente recebia as mesmas informações que o pai, o avô, etc. O professor era o transmissor do conhecimento acumulado pela civilização nos últimos tempos. O aluno não tinha outra forma de acesso àquelas informações. Com a chegada da internet esse modelo passa a ser claramente inadequado.

Um fato importante que devemos pensar é que nos últimos 210 anos o mundo completou 1 bilhão de habitantes, e estamos com a perspectiva de em 2020 chegar aos 8 bilhões de habitantes. Outra coisa é que cerca de 70% das pessoas moram em grandes cidades, em que a possibilidade de trocar, receber novas idéias e visões de mundo é muito maior do que era no passado. Um terceiro dado é que existe a partir dessa quantidade de pessoas uma demanda contínua de melhorias que produzimos e consumimos, vimos isso na própria evolução da tecnologia. Esse conjunto de fatores força a sociedade a ter mais velocidade. É preciso formar pessoas que estejam mais preparadas a viver processos contínuos de mudança do que processos de consolidação do senso comum que a escola tem hoje. A idéia é dar maior número de informações a pessoa para que quando ingresse no mercado de trabalho possa articular essas informações e resolver problemas. Isso não está acontecendo hoje. É preciso haver um ambiente participativo e de troca de conhecimento.

Você fala sobre o conceito wiki, da cooperação mútua e da falta de necessidade de uma especialização, em que é importante saber muito sobre pouco (leia em temos um problema e precisamos de ajuda). Acredita que isso se aplica às escolas?

Hoje o modelo wiki, que é o que conseguimos observar na Wikipedia, oferece uma produção contínua de conhecimento que vai questionando o senso comum. Novos termos e idéias vão surgindo, havendo articulação entre diferentes assuntos, ou seja, a escola tem que sempre representar esse mundo em modelos como esse. É preciso ensinar o aluno que tudo é um processo e que ele tem que poder interferir neste processo. Hoje ele só pode contribuir com conhecimento quando sai da escola, o que tem um custo muito alto, pois o tempo que leva para dar resultado é enorme.

Hoje temos um aluno desmotivado, um professor desmotivado e a escola desmotivada. A sociedade precisa de um ambiente produtivo e dinâmico. Isso deve começar a ser incentivado na creche.

Mas acredito que estamos começando a sair da escola 1.0, que é a hierárquica e autoritária, para uma escola criativa, horizontalizada e que trabalha em cima de problemas.

E nas corporações, como esse cooperativismo entre áreas deve acontecer?

O conceito é o mesmo, pois a escola é uma empresa. As empresas atualmente contam com um conselho diretor, de acionistas, que mandam. Mas ela estrutura o setor de comunicação fazendo uma manipulação para que o consumidor pense que tem o controle, quando não tem. Se você controla a estrutura de mídia consegue manter isso, mas com a ruptura que estamos tendo, o consumidor começa a introduzir novas idéias e dizer que aquilo é uma mentira. As empresas que percebem essa mudança de civilização já estão adotando outro tipo de política, envolvendo seu consumidor no processo produtivo, deixando transparente a separação entre ele, o colaborador interno e o acionista. É uma espécie de capitalismo colaborativo. O grande desafio hoje não é tecnológico ou de gestão, mas de cognição, as pessoas precisam olhar este mundo com novos olhos. Talvez a grande mudança aconteça quando a geração que já nasceu com tecnologia, que hoje tem cerca de dez anos, assumir o comando. É uma questão de tempo.

Mas você acredita que a inserção nas mídias sociais por parte das empresas já mostra uma maior integração entre a empresa e o consumidor?

A empresa não pode olhar para os blogs como se fossem um jornalzinho interno ou um release que envia para a mídia. As críticas ainda não estão entrando no processo produtivo da empresa e isso precisa acontecer. O pessoal da Comunicação tem que trabalhar junto com a gestão para encaminhar e ouvir essas críticas, de forma a fidelizar o consumidor.

Em um de seus textos você diz que temos de pensar numa nova forma de gestão que possa gerenciar melhor o capital intelectual e não o conhecimento. Por que você acredita nisso?

Há várias formas de lidar com a capacidade criativa das pessoas. Eu acredito que o que chamamos de conhecimento útil não é o conhecimento que cada um possui, como a maioria das pessoas acreditam, o que importa é a capacidade das pessoas em resolver problemas de forma rápida e eficaz.

Da mesma forma como a escola, você terá que organizar a empresa por problemas e ter uma rede suficientemente ágil para que as pessoas se articulem de forma a motivá-las para continuar o trabalho, gerando valor.

Hoje vemos empresas reclamando sobre a falta de fidelidade dessa geração. Acredita que com estas mudanças, seria mais fácil reter pessoas, engajar mais os funcionários para que pensem em longo prazo?

Há hoje uma incompatibilidade geracional, nunca na história uma geração mais nova aprendeu antes dos seus pais. Os pais sempre aprendiam o ambiente informacional e passavam aos filhos, hoje estamos vivendo uma mudança. A outra coisa é que hoje a pessoas começa a trabalhar numa profissão e dificilmente se manterá nela até o fim da carreira. O jovem chega na empresa, procura a rede social que sempre utilizou e ela não está lá. Ou seja, ele não vê na empresa o mundo em que vive.

No dia em que for o dono, que essa geração chegar à empresa, vai começar a ajustá-la a esse modelo, então acho que boa parte da infidelidade está ai. A outra coisa é que a própria empresa tem que olhar para o funcionário de outra maneira, ela não pode achar que ficará com ele durante 20 ou 30 anos, é preciso trabalhar por projetos, agregando pessoas em torno daquilo, em redes produtivas a partir de problemas, é isso que as pessoas buscam.

E você acredita nessa mudança?

Acho que não é uma questão de acreditar, mas já vejo sintomas claros disso acontecendo. Comparo o momento em que estamos com outras mudanças importantes que alteraram estruturas no passado. Acho que com 8 bilhões de pessoas, num mundo globalizado e conectado, não tem como manter a antiga forma de trabalhar que funcionava com bem menos gente. Mas cada um tem uma capacidade cognitiva e o que devemos questionar é o tempo que isso vai levar para acontecer.

Vamos entrar na segunda fase da internet, que não se refere mais à mudança tecnológica, de acesso à tecnologia, e sim mudanças cognitivas. A internet veio com o papel de mudar o mundo. Essa fase será mais dolorosa e de mais resistência, mas envolverá toda a sociedade e não vai demorar uma semana.

Você é professor, pesquisador e diretor de uma empresa. Aborda no blog um pouco destas questões relacionadas à tua área e outras nem tanto. Isso propriamente já demonstra a aplicação do que fala. Como a criação do blog se tornou um diferencial profissional?

Cheguei à conclusão de que minha grande vocação é a capacidade de articular coisas, desenvolver pensamentos diferentes, isso eu chamo de trabalho cognitivo. Assumi há cerca de dois anos que eu deveria trabalhar ajudando a evolução da cognição de pessoas. A partir daí, achei que precisava ter um exercício mental que permitisse alongar meu cérebro. O blog é um canal perfeito para eu poder transmitir o que descubro. Minha vida profissional deu um salto de qualidade, as pessoas passaram a me conhecer, comecei a ganhar muito por isso e ter outro tipo de perspectiva. Muitos me questionam se eu não perco competitividade por colocar tudo o que sei no blog, mas acho que o que penso ou falo numa palestra não faz a diferença, assim como o que se coloca no Youtube. Assim eu penso que o blog foi um espaço de reflexão, divulgação e crescimento, o que mostra que o que falo sobre as mudanças que precisa acontecer, podem se comprovar. Como diria o Gandhi, você tem que ser a mudança que você quer para o mundo, então ficaria contraditório dizer para todo mundo compartilhar, abrir tudo e eu ter outro tipo de postura.

Nenhum comentário: